Nas últimas eleições em Portugal ouvimos muito falar em plafonamento da segurança social. Nem todos perceberam o que estava em causa, mas ficou claro que uns estavam a favor e outros contra. É normal e saudável num debate democrático. Quando falamos de concorrência desleal no mercado do fitness, ninguém no seu perfeito juízo a pode advogar e defender. Podem usar-se argumentos encapotados, mas não é preciso ter canudo para saber que tal prática viola um dos mais basilares princípios do mercado. Uma eventual abertura da AGAP a entidades que a praticam não constituiria por isso uma forma de legitimação da concorrência desleal. Apenas outra forma de abordar o problema.
Acompanho à distância o debate em torno da abertura da AGAP a empresas municipais e às chamadas associações de cultura e recreio. Apesar de não ser parte dessa decisão, não consegui deixar de me envolver num debate tão estimulante e que não é exclusivo do fitness português. Na minha perspetiva, tal abertura seria benéfica para a AGAP e seus atuais associados.
Sigam-me neste raciocínio. Muitos dos argumentos invocados por aqueles que se opõe a este processo parecem assentar na ideia que a abertura se iria traduzir no reconhecimento e legitimação deste estado de coisas. Que iria consolidar um status quo altamente injusto para as empresas do sector (os atuais associados), sujeitas a uma carga fiscal incompreensível para os padrões europeus.
Penso que tal abertura teria o efeito exatamente oposto.
Vamos admitir por alguns segundos que os associados da AGAP se pronunciam a favor de tal abertura. Uma hipótese meramente académica. A decisão teria de imediato duas repercussões:
Em primeiro lugar, sendo representados pela mesma estrutura associativa, ficaria claro aos olhos de todos aquilo que para as empresas do fitness é já uma evidência cristalina: ginásios e associações operam no mesmo sector. E quem opera no mesmo sector, não pode ser sujeito a regras diferentes. Julgo que o senhor La Palice não diria melhor. A partir deste momento, deixaria de haver qualquer razão para que os argumentos que libertam as ditas cujas associações e empresas municipais de qualquer esforço fiscal não fossem também aplicados aos ginásios. Ou pelo menos aproximado. Uma espécie de nivelamento por baixo – da carga fiscal e não do serviço prestado, bem entendido.
Em segundo lugar, o alargamento faria da AGAP uma associação mais forte, com maior capacidade para defender e promover os interesses do sector – incluindo na questão do IVA. Em Portugal, há muito que a palavra lobbying tem uma carga negativa. Num país onde quase todos desconfiam dos políticos e da política, a expressão é de imediato conotada com os mais obscuros interesses e as mais nubulosas promiscuidades. Mas não devia ser assim.
Numa sociedade democrática, é legítimo e desejável que os diferentes sectores da economia se possam fazer representar nas esferas do poder. É legítimo e desejável que aqueles que geram emprego e receitas fiscais para o Estado tenham voz junto dos decisores políticos. Não é justo esperar que os políticos saibam tudo sobre tudo. De um político espera-se que saiba tomar decisões, no âmbito do mandato conferido pelo voto e com base na melhor informação disponível.
Com transparência e equilíbrio, é fundamental que sejam ouvidos aqueles que todos os dias trabalham no terreno e conhecem a realidade de um sector melhor que ninguém.
Mas de uma coisa estejam certos: só será ouvido quem tiver a capacidade de criar estruturas associativas genuinamente representativas. Os outros serão de imediato catalogados como um saco de gatos e completamente marginalizados. Esse tem sido, de resto, o destino de algumas associações em vários mercados europeus, em prejuízo daqueles que pretendem representar.
Dito de outra forma, a força da AGAP junto do poder político será tanto maior quanto maior for a sua capacidade de agregar todos os que operam no seu sector, mesmo aqueles que o fazem em situação de concorrência desleal. Neste contexto, a divisão do sector e a proliferação de estruturas associativas seria altamente contraproducente e retiraria força às reivindicações por um IVA mais reduzido para os ginásios. Reivindicações por uma carga fiscal consonante com a função social e económica de um sector que permite a muitos portugueses manterem-se ativos, com todos os benefícios que isso acarreta.
Mais uma vez vale a pena recordar. O debate em torno da abertura da AGAP não é um debate sobre a legitimidade da concorrência desleal no mercado do fitness em Portugal. É um debate sobre a melhor forma de a combater. E mesmo para aqueles que estão contra esta estratégia e os argumentos que aqui defendo – e todas as posições são igualmente válidas – há uma realidade que é inegável: deixar as coisas como estão, sem nada fazer, só tem vindo a agravar o problema.
Claro que todo este processo implicaria uma profunda reflexão sobre a própria associação, a começar pelos seus estatutos. Mas esse é o menor de todos os problemas. Um breve olhar sobre o panorama associativo a nível europeu mostra que AGAP e a comunidade do fitness em Portugal têm a maturidade suficiente para levar a cabo essa empreitada. Sem precisar de receber lições de ninguém.
José Costa





