viernes, 1 de mayo de 2015

NÃO PERGUNTE COMO MOTIVAR OS SEUS ALUNOS (1ª PARTE)

Face aos inúmeros, e muitíssimo bem documentados, benefícios para a saúde física e mental do exercício físico, surge a necessidade imperativa de envolver cada vez mais pessoas com programas de exercício que se possam integrar e manter no longo prazo. 




Tal leva a que a realidade das estruturas que prestam este tipo de serviços, seja alvo de profunda reflexão crítica, com a perspetiva de encontrar soluções que permitam uma oferta mais atrativa, e consequentemente com resultados diferentes na adesão a longo prazo dos praticantes. Estas estratégias terão necessariamente de passar pelo tipo de intervenção (i.e. tipo de estratégias motivacionais utilizadas) dos profissionais de exercício, procurando promover a qualidade da motivação dos seus alunos.

De facto, as evidências que suportam a relação inversa entre a atividade física e a doença cardiovascular, hipertensão, enfarte agudo do miocárdio, osteoporose, diabetes tipo 2, obesidade, cancro do cólon, cancro da mama, ansiedade e depressão, continuam a acumular-se (ACSM, 2014). No entanto, os níveis de sedentarismo em Portugal mantêm-se dramaticamente elevados. Segundo os dados publicados no Eurobarómetro (2014), no nosso país, cerca de 64% das pessoas “nunca”, fazem exercício físico, ou desporto (a média europeia é de 42%). 

Uma das principais preocupações, segundo Papadimitriou e Karteroliotis (2009), dos gestores de centros desportivos e de fitness é a apresentação de serviços de qualidade que levem à satisfação dos clientes, tendo para tal de se considerar os professores como um dos principais atributos nesse sentido. A adesão à prática é um elemento fundamental para o futuro da indústria. Os números são esmagadores relativamente à capacidade dos clubes manterem os seus clientes: cerca de 35 a 45% deles perdem-se anualmente (McCarthy, 2007). Sabe-se que após a adoção de um comportamento de iniciação da prática de exercício físico, a principal barreira é a adesão continuada. A taxa de adesão dos programas de exercício sofre uma queda acentuada nos primeiros seis meses (45%), estabilizando de seguida, embora com um ligeiro decréscimo até aos 18 meses (50%) (Buckworth & Dishman, 2002). 

Apesar de não existirem dúvidas relativamente à importância da inclusão da atividade física nos programas de saúde e bem-estar, sabe-se menos relativamente a que tipo de programas, especificamente, são os melhores para promover mudanças comportamentais a longo prazo (McClaran, 2003). Para conseguir concretizar com sucesso este objetivo, torna-se crítico compreender como motivar para a atividade física (AF) e para a mudança de estilos de vida. 




Estar motivado significa “ter vontade” de assumir um determinado comportamento. Alguém que não se sinta compelido, ou inspirado a fazer algo, é então caracterizado, como estando desmotivado, ou, de forma mais correta, amotivado. Pelo contrário, alguém que se sente energizado, ou ativo relativamente a um fim, considera-se que está motivado. As pessoas diferem, não apenas na quantidade de motivação mas também na sua orientação (o tipo de motivação), ou seja os objetivos e as atitudes subjacentes, que determinam a ação (Ryan & Deci, 2000). De facto “ter vontade” pode implicar várias “razões” para essa vontade. Umas mais internas que outras...

A Teoria da Autodeterminação (TAD) de Deci e Ryan (1985, 2000) fornece um racional teórico sobre os motivos que levam as pessoas a iniciar e a manter determinado comportamento. É uma macro-teoria dos processos de motivação humana, emoção e personalidade, em contextos sociais. A teoria suporta que o comportamento dos indivíduos, precisa de ser autodeterminado ou seja, dependente da sua vontade, para ter uma motivação ótima. Especificamente, a TAD propõe a existência de um continuum, no qual o tipo de auto-regulação de um indivíduo varia desde o mais determinado externamente ao mais intrínseco, tendo estas variações uma importante implicação, para o afeto desse indivíduo, assim como para o seu bem-estar físico e mental. Se se dividir este contínuo, conseguem identificar-se dois tipos de motivação: controlada (quando se age com base em pressões externas ou internas) e autónoma (quando a decisão de agir é verdadeiramente interna, livre de pressões). A TAD identificou três necessidades psicológicas básicas fundamentais – autonomia (escolha livre e internamente sustentada), competência (perceção de capacidade para lidar com sucesso com o envolvimento) e relacionamento (relações de suporte e aceitação com entes significativos; sensação de integração social) – que o contexto pode potenciar para permitir o crescimento, integração, desenvolvimento social positivo e bem-estar do indivíduo, debruçando-se sobre os fatores que permitem ou inibem a satisfação dessas necessidades. 

A TAD tem sido frequentemente relacionada com o exercício, para além de outras diferentes áreas da investigação, como a educação ou a saúde (Su & Reeve, 2011; NG et al, 2012; Teixeira, Carraça, Markland, Silva & Ryan, 2012), denotando que intervenções que promovam a satisfação das necessidades acima mencionadas promovem tipos de motivação mais autónomos. De facto, têm sido identificados dois “estilos” tipo de estratégias motivacionais (Reeve, 2009): 1) de suporte à autonomia; 2) de controlo. As primeiras representam um conjunto de estratégias que visam levar as pessoas a estarem mais autonomamente motivadas. Alguns elementos são disto facilitadores: i) estrutura (p.ex. Definição conjunta de objectivos desafiantes, mas adaptados ao nível dos clientes; feedback informativo; informação clara e adequada ao caso específico ao invés de informações generalistas e frases feitas “faz-lhe bem”), o suporte à autonomia (p.ex. Desenvolver um leque de opções adequadas e encorajar a escolha face a elas, incitar a reflexão e desenvolvimento de um conjunto de “razões pessoais” para se estar a fazer aquela atividade, e do significado pessoal que ela possa ter) e o envolvimento positivo (preocupação não centrada nos resultados obtidos mas na pessoa e no seu bem-estar). As estratégias de controlo, levam (uma vezes de forma mais explicita outras implicitamente) a dirigir as ações dos clientes, condicionando pensamentos e emoções. São exemplos a utilização de recompensas controladoras (motivar os alunos, prometendo recompensá-los, se fizerem as coisas bem), a relação condicional (i.e. investimento no outro apenas se o seu comportamento for o que eu valorizo, dando menos suporte aos clientes quando tal não acontece), a intimidação e depreciação (pode passar por ameaça mais explicita ou velada, ou pelo desvalorizar do outro (“é um fraco”) e excessivo controlo pessoal (p. ex. ligar excessivamente, ser intrusivo nas questões colocadas, “cobrar” satisfações). Sabe-se que quando os praticantes de exercício percecionam um estilo de interação de suporte à autonomia por parte do professor, estes melhoram as suas sensações de competência e autonomia (Puente & Anshel, 2010), sendo possível treinar um profissional de exercício, para criar um clima de aula marcado pelo suporte à autonomia, estrutura e envolvimento interpessoal (Edmunds, Ntoumanis & Duda, 2008), o que reforça a importância de perceber quais as competências a desenvolver nos profissionais que intervêm ao nível do exercício em contexto recreativo, na perspetiva de os dotar de mais ferramentas para atuarem com mais eficácia na motivação dos seus alunos.

De facto, apesar de ser evidente que práticas controladoras levam a resultados contraproducentes e paradoxais, a verdade é que ainda são muito prevalentes em vários contextos, exercício incluído (Su & Reeve, 2011). Tal deve fazer pensar nas causas para isto aconteça e como mudar esta situação. O facto de os profissionais estarem muitas vezes eles próprios sujeitos a pressão (Taylor, Ntoumanis & Standage, 2008) será uma das causas. O interesse e disponibilidade para outro tipo de abordagem motivacional poderá ser uma das vias. Tal implicará uma mudança de paradigma. Enquanto o profissional quiser ele próprio “motivar” o outro (assumindo ele a regulação do exercício) estaremos perante um cenário controlador. 

A Teoria da Autodeterminação pode ser considerada particularmente atrativa, para os profissionais do exercício e da saúde que procuram promover estilos de vida saudáveis! Assim, não pergunte como pode motivar os seus alunos, mas sim “Como posso criar as condições através das quais os alunos se motivarão?”

Complicado? Comece pelos aspetos mais simples. A linguagem! Por deformação profissional, empregamos frequentemente termos como “deve”, “tem de”, “precisa de” (ex: “Deve treinar 3 vezes por semana!”). Alterar uma frase com o mesmo objetivo para “O que o poderia motivar a treinar 3 vezes por semana?”, utilizando um formato mais desafiador, estimulador da identificação de razões pessoais para a prática, pode fazer a diferença na forma como os alunos vão percecionar a intervenção do seu professor, sentindo-se mais autonomamente motivados. 

Na próxima edição daremos sequência a este artigo, abordando mais pormenorizadamente as estratégias a utilizar com os seus alunos.

Especial agradecimento à Prof. Dr. Marlene Nunes Silva, FMH-UL


Frederico Raposo


Referências

Buckworth, J., & Dishman, R. K. (2002). Exercise psychology. Champaign, IL: Human Kinetics

Deci, E. L., & Ryan, R. (1985). Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York: Plenum.

Deci, E.L., & Ryan, R.M. (2000). The “What” and “Why” of goal pursuits: Human needs and the self-determination of behavior. Psychological Inquiry, 11, 227–268. 

Edmunds, J., Ntoumanis, N. & Duda, J. L. (2008). Testing a selfdetermination theory-based teaching style intervention in the exercise domain. European Journal of Social Psychology, 38, 375–388. 

McClaran, S. (2003) The Effectiveness Of Personal Training On Changing Attitudes Towards Physical Activity. Journal of Sports Science and Medicine,  2, 10-14

Ng, J. Y. Y., Ntoumanis, N., Thøgersen-Ntoumani, C., Deci, E. L., Ryan, R. M., Duda, J. L., & Williams, G. C. (2012). Self-Determination Theory applied to health contexts: A meta-analysis. Perspectives on Psychological Science, 7, 325-340.

Reeve, J. (2009). Why Teachers Adopt a Controlling Motivating Style Toward Students and How They Can Become More Autonomy Supportive. Educational Psychologist, 44(3), 159-175. 

Su, Y-L., & Reeve, J. A  (2011) Meta-analysis of the effectiveness of intervention programs designed to support autonomy. Educational Psychology Review, 23, 159–188.

Taylor, I. M., Ntoumanis, N., & Standage, M. (2008). A Self-Determination Theory Approach to Understanding the Antecedents of Teachers’ Motivational Strategies in Physical Education. Journal of Sport & Exercise Psychology, 30, 75-94. 

Teixeira, P. J., Carraca, E. V., Markland, D., Silva, M. N., & Ryan, R. M. (2012). Exercise, physical activity, and self-determination theory: a systematic review. Int J Behav Nutr Phys Act, 9, 78. doi: 10.1186/1479-5868-9-78


 
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