
Há duas premissas jurídicas que
importa desde logo ter presente: (i) legalmente estão isentas de imposto as
prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões paramédicas”[2];
(ii) a nutrição/dietética é legalmente considerada como uma actividade/profissão
paramédica[3].
Não se pense, porém, que basta a
concatenação das referidas duas premissas para que a isenção de IVA seja algo
de automático/imediato: há diversas condições que se devem verificar. Importa,
então, saber o que deve fazer o prestador dos serviços (PS) na passagem de
ginásio para health club, isto é, no
início e no desenvolvimento de um processo em que, a acrescer aos serviços de
actividade física e desportiva, passa a prestar cuidados de saúde. Vejamos,
pois, os passos cronológicos a dar:
1.
Alteração do objecto social. Importa que o PS altere
os seus estatutos/pacto social de modo a incluir, em toda a extensão, as valências
que passa a poder disponibilizar.
2.
Alteração do CAE (Classificação Portuguesa de Actividades Económicas).
Deve o PS informar a AT da realização de uma outra (nova) actividade económica,
passando a ter um CAE secundário. Com efeito, alterando-se quaisquer elementos
constantes da declaração de início de actividade, deve o sujeito passivo
entregar a respectiva declaração de alterações, no prazo de 15 dias a contar da
data de alteração[4].
3.
Registo obrigatório na Entidade Reguladora de Saúde.
Sem esse registo válido, no espaço em causa não pode haver prestação de
serviços de nutrição[5].
4.
Contratação de nutricionistas certificados. A
prestação de serviços de nutrição encontra-se reservada a pessoas tituladas por
curso oficial ou seu equivalente legal. Quer isto significar que o exercício
válido da profissão de nutricionista depende da prévia inscrição, como membro
efectivo, na Ordem dos Nutricionistas[6].
Sem essa habilitação, a facturação da entidade aos clientes não pode beneficiar
da isenção de IVA.
5.
Facturação adequada. No essencial, há que facturar
conforme segue:
a)
Só facturar serviços de nutrição efectivamente prestados/realmente utilizados,
ou seja, se for disponibilizada ao utente, num pacote, a possibilidade de
recorrer, no espaço em causa, aos serviços de nutrição, sem que o utente chegue
a beneficiar dessa possibilidade, cabe apenas facturar os serviços de actividade
física e desportiva – não procede o argumento de que se debita sempre o serviço
de nutrição mesmo se os clientes a ele não recorrerem, situação que tornaria
superior o número de serviços facturados aos clientes do que os pagos aos
nutricionistas[7];
b)
Se o serviço prestado for unicamente de nutrição (independente da prática de
actividade física/desportiva), a factura emitida deve mencionar a isenção de
IVA (IVA 0%), que é aplicável quer quando é o nutricionista a facturar
directamente ao cliente quer quando é o PS a refacturar ao seu cliente o
serviço de nutrição que lhe foi facturado pelo nutricionista[8];
c)
Se for cobrado ao utente um valor único e fixo (semanal/quinzenal//mensal/trimestral/semestral/anual),
englobando, simultaneamente, a prática da actividade física/desportiva e os
serviços de nutrição[9])
não há lugar a isenção de IVA, uma vez que não estamos perante dois serviços
distintos e autónomos entre si, mas sim face a um sujeito passivo misto que
presta um serviço principal (actividade física e desportiva) e um acessório
(nutrição). Uma decomposição artificial dessas prestações de serviços no plano
económico conduziria a uma alteração da funcionalidade do IVA (distorcendo a
concorrência), pelo que não basta desagregar as prestações principais das
acessórias para garantir a isenção de IVA na parcela da componente acessória – in casu a nutrição –, devendo o PS facturar
os serviços discriminadamente (a lei assim o impõe[10]) mas
liquidar o IVA a 23%.
Alexandre
Miguel Mestre
Advogado,
Consultor na Abreu Advogados
Docente
no Ensino Superior na área de Direito do Desporto
Formador
de Ética, Deontologia e Legislação do Fitness no CEFAD
Ex-
Secretário de Estado do Desporto e Juventude
[1] Cf., em
particular, a Informação Vinculativa da AT no âmbito do Processo n.º 9215 (despacho
de 19 de Agosto de 2015 do SDG do IVA, por delegação do Director-Geral da AT).
[2] Cf. artigo
9.º, n.º 1 do Código do IVA.
[3] Cf. Item 5
do Anexo do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho.
[4] Cf. artigo
32.º, n.º 1 do Código do IVA.
[5] Cf. artigo
2.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 279/2009, de 6 de Outubro e Portaria n.º 52/2011,
de 27 de Janeiro. Sem prejuízo da
responsabilidade criminal, disciplinar, civil e das sanções ou medidas
administrativas, a ausência do registo é punível com coima de € 2000 a €
3740,98, no caso de se tratar de pessoa singular, e de € 4000 a € 44 891,81, no
caso de se tratar de pessoa colectiva.
[6] Cf., em
particular, o artigo 60.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas,
aprovado pela Lei n.º 51/2010, de 14 de Dezembro.
[7] Por
exemplo quando se disponibilizam consultas ditas “grátis” e o utente não vai a
qualquer consulta.
[8] Na
expressão da mencionada Informação Vinculativa da AT, a isenção opera quer
perante os serviços “(…) prestados directamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade
com quem contratualizem os serviços (…)”.
[9] O que os
cientes pagam é sempre o mesmo, incluindo a frequência do health club e os
serviços de nutrição.
[10] Cf. artigo
36.º, n.º 5, alínea d) do Código do IVA.