Olhando para as regras impostas aos Diretores Técnicos (DT) e aos Técnicos de Exercício Físico (TEF) desde Agosto de 2012, um aspeto em especial dessa moldura legal levou-nos a ponderar um detalhe: como abordar a atividade física que decorre nas instalações desportivas como parte integrante do treino de um atleta desportivo de uma modalidade federada, ou seja, de um praticante que se prepara fisicamente para uma competição (nacional ou internacional). E desta ponderação, outra dúvida resulta: como acautelar a verificação dos Títulos Profissionais de Treinadores de Desporto, nos casos em que decorrem treinos de modalidades federadas em instalações desportivas?
Esta é uma reflexão que pretende contribuir para uma conclusão que será a de que os Diretores Técnicos dos Ginásios de Portugal devem (ou não) preocupar-se também em verificar se quem ministra, nas respetivas instalações, treinos integrados em modalidades desportivas de competição federadas, é detentor(a) do devido título profissional que os(as) habilita a ministrar tais sessões de treino.
A nossa experiência de mais de duas décadas de estudo do Direito Desportivo recomenda, desde já, que se esclareça neste texto que, ao falar de Direito, estaremos essencialmente a falar de Regras, no caso, das que se aplicam aos Ginásios em Portugal. Como em qualquer outro sector de atividade na nossa sociedade, qualquer um de nós enquanto cidadão está obrigado a respeitar diversas regras, as quais se materializam em documentos legais (Leis, Decretos-Leis, Portarias, etc…). No caso do Desporto, temos ainda os Regulamentos que as Federações Desportivas produzem, bem como os Estatutos que orientam de base as respetivas modalidades.
Mas vem esta introdução a propósito de uma reflexão, que nem sempre acontece mas que deveria ser normal quando falamos de legislação: olhar para a aplicação de uma lei e para a forma como a mesma tem vindo a ser aplicada ou respeitada. Só assim se pode melhorar: corrigir falhas de planeamento legal, aperfeiçoar formas de execução das regras que se estabeleceram. Ou, no aspeto que nos interessa para a reflexão que agora transcrevemos, saber se a evolução da realidade recomenda uma adaptação de alguns dos “artigos” que em determinada altura foram criados.
Se lermos a legislação em vigor, os principais artigos (na nossa opinião) que temos de interpretar, para chegar a essa decisão de gestão (e responsabilização) são: o Artigo 2.º, o Artigo 4.º, os Artigos 6.º e 7.º, bem como o Artigo 8.º e ainda o 21.º (todos da Lei n.º 39/2012 de 28 de Agosto); passemos então às considerações que julgamos importantes para a definição em causa.
Comecemos pela aplicação da lei, que é clara quando diz que não se aplica às atividades desportivas que (…) por vontade expressa dos praticantes desportivos federados, sejam realizadas sem enquadramento técnico. Esta alínea g), do n.º1 do Artigo 2.º deixa evidente que, como é óbvio, qualquer prática desportiva, mesmo federada, tem de ser realizada com enquadramento técnico; só se o praticante desportivo federado manifestar de forma expressa a sua vontade em prescindir desse enquadramento técnico, é que não necessita de o ter. Ora, a pergunta seguinte creio que é óbvia: como é que se expressa essa vontade? Por documento escrito assinado pelo Praticante? Por uma declaração verbal, declarada pelo TEF ou pelo DT?
Ou seja, caso não seja feita prova da expressão dessa vontade, o efeito é que, qualquer praticante desportivo federado que esteja em exercícios físicos em uma Instalação Desportiva, tem de ter garantido um enquadramento técnico durante a respetiva prática... E passa tal atividade física a estar incluída dentro das responsabilidades técnicas e de direção constantes do Art. 4º, pois passa a ser uma modalidade desportiva, ainda que federada, a decorrer sob alçada da orientação e condução de exercícios que é função do TEF.
Mas, imaginemos que a tal vontade é expressa, e deixa de estar em causa a função do TEF prevista na alínea b) do Artigo 7.º; porém, continua sempre a ser obrigatório o correto cumprimento, pelo DT, das funções constantes das diferentes alíneas do Art. 6.º, uma vez que terá uma presença nas suas instalações desportivas, a treinar?
E se o praticante desportivo se fizer acompanhar de alguém que designe como seu/sua Treinador/a? Tem o responsável pela instalação desportiva que verificar se existe um Título Profissional válido para o efeito (que será a “Cédula” de Treinador de Desporto)?
Com alguma curiosidade, lemos no Artigo 8.º da Lei em análise que os DTs e os TEFs devem atuar diligentemente, assegurando o desenvolvimento da atividade desportiva num ambiente de (…) respeito pelos valores da Ética no Desporto; sendo que, a maioria desses valores, importa salvaguardar em ambiente competitivo, ou seja, num contexto de modalidades desportivas de competição (não de mera atividade de manutenção de condição física…). O mesmo poderemos dizer quanto à luta contra a dopagem no desporto; se um dos pilares basilares do combate à Dopagem é a salvaguarda da saúde dos praticantes desportivos, o outro é a garantia da igualdade e verdade desportivas, em competições…
Por fim, uma última nota, sobre o alcance do Artigo 21.º: então o Praticante Desportivo Federado, que se encontre na instalação desportiva, não tem de obedecer aos procedimentos e protocolos que constem do «Manual de Operações» na parte que respeite à utilização dos equipamentos? Se Sim, então tem sempre de estar sob alçada do DT enquanto permanecer no local…
Entre as perto de 60 Federações Desportivas em Portugal registadas no Instituto Português de Desporto e Juventude como detentoras do Estatuto de Utilidade Pública Desportiva, somos capazes de contar quase metade que julgamos saber que representam modalidades cuja manutenção da condição física dos respetivos praticantes ocorre muitas vezes em ginásios, academias ou clubes de saúde. Para além disso, existem mais algumas, até emergentes/recentes, fora da esfera olímpica e formal pública, que também cruzam a manutenção física dos respetivos praticantes com a prática de exercício físico em instalações desportivas privadas. Já para não falar ainda, também, de modalidades não federadas, mas registadas como Associações Promotoras de Desporto (algumas financiadas por Contratos-Programa de Desenvolvimento Desportivo), donde decorrem treinos, onde se preparam as condições físicas dos atletas e jogadores para as correspondentes competições.
Fica aqui feita, assim, esta primeira abordagem. Uma reflexão inicial para acautelar o que a curto prazo deve, cremos, ser um aspeto que os associados da AGAP têm de ter presente, no exercício das suas funções profissionais.
Rui Alexandre Jesus
• Licenciado em Direito
• Presidente da Associação Portuguesa de Direito Desportivo
CV
• Licenciado em Direito
• Presidente da Associação Portuguesa de Direito Desportivo
• Pós graduado em Direito Desportivo
• Autor, Cronista, dirigente desportivo, consultor e formador





