Na última edição, abordámos o problema da adesão a longo prazo a programas de exercício físico regular, e da necessidade de se refletirem e repensarem as estratégias utilizadas pelos profissionais de exercício, no sentido de promover uma maior satisfação das necessidades psicológicas básicas do ser humano (autonomia, competência e relacionamento) à luz da Teoria da Autodeterminação (TAD) de Deci e Ryan (1985, 2000).
Com base no racional estabelecido, e no sentido de se operacionalizarem intervenções que lhe dêem sequência, propomo-nos nesta edição, numa perspetiva mais prática, visitar algumas das estratégias diariamente utilizadas em ginásios e Health Clubs, oferecendo alternativas viáveis para que se promovam ambientes da maior suporte à autonomia e portanto potencialmente termos alunos mais intrinsecamente regulados para o exercício físico.
Como já foi referido, Reeve (2009), identifica dois “estilos” tipo de estratégias motivacionais: 1) de suporte à autonomia e 2) de controlo*. Por natureza, o Professor, assume que conhece as melhores soluções para os problemas dos seus alunos, as respostas para as suas questões, sem previamente saber se esses são efetivamente os seus problemas, ou as suas questões. Fá-lo com a melhor intenção, num sentido de certa forma paternalista, assumindo que é o que se espera dele. Como vimos, esta pode ser uma estratégia que frustre a satisfação das necessidades psicológicas básicas dos nossos alunos, levando a que se sintam mais controlados e como tal menos autónomos para a prática de exercício físico.
Urge então refletir sobre a questão:
Porque são os professores, por natureza, mais controladores?
Uma intervenção controladora é uma reação compreensível dos profissionais, às pressões diárias, impostas de cima, de dentro e de baixo (Reeve, 2009):
Pressões de cima:
• Papel social desempenhado pelos professores (a relação entre os professores e os alunos ocorre num contexto em que há um diferencial de poder entre os dois “ex: o professor é responsável pelo programa de treino”)
• Responsabilidade pelos resultados e comportamentos dos clientes (o professor está intimamente ligado ao sucesso ou insucesso pelos resultados do seu cliente, principalmente no contexto do treino personalizado)
• O professor está consciente que controlar é culturalmente mais valorizado (o professor que utiliza estratégias controladoras é visto como mais competente do que o que utiliza estratégias de suporte à autonomia)
• Os professores associam inapropriadamente o controlo à estrutura (por vezes as estratégias de controlo são erradamente associadas a envolvimentos mais estruturados, enquanto que as estratégias de suporte à autonomia são vistas como um envolvimento caótico ou de laissez faire).
Pressões de dentro:
• Os professores tendem a influenciar a motivação do cliente (acreditam que a probabilidade de gerarem adesão a longo prazo ao exercício, é proporcional ao tamanho da recompensa que propõem)
• Os professores podem ter personalidades com uma pré-disposição para controlar (naturalmente muitos professores têm já uma certa tendência para serem mais controladores)
Pressões de baixo:
• Professores e profissionais de saúde reagem à passividade dos clientes durante as atividades (esporadicamente, pessoas desmotivadas, ou pouco comprometidas, tendem a despoletar um estilo controlador nos professores)
O que fazemos regularmente que condiciona a satisfação das necessidades psicológicas fundamentais dos nossos alunos?
Perante estas pressões, normalmente reagimos, com recurso a estratégias mais controladoras, que acabam por frustrar, mais do que satisfazer, as necessidades básicas dos nossos clientes.
São exemplos destas, segundo Bartholomew et al (2010):
- utilização de recompensas controladoras
- motivar os alunos, prometendo recompensá-los, se fizerem as coisas bem ou se atingirem um determinado resultado (ex: “se perder 5% de massa gorda, ofereço-lhe uma sessão de PT”)
- relação condicional
- apoiar e suportar os alunos que correspondem aos comportamentos que lhes são solicitados e que são mais empenhados, e não se preocupar com os alunos que não correspondem ao que lhes é proposto (ex: alunos que são pouco regulares no treino)
- intimidação e depreciação
- desvalorizar, ou ameaçar (de forma explicita ou mais subtil) o aluno (ex: “não tens jeito nenhum para isto”; “a continuares assim não vale a pena continuar a treinar-te”)
- excessivo controlo pessoal
- interferir excessivamente com a vida do aluno, por exemplo, ligando excessivamente para saber se tem treinado; controlar ou cobrar abusivamente o que comeu num determinado evento; dizer-lhe que tem que treinar num determinado dia, obrigatoriamente
- julgar e desvalorizar
- não considerar importante a opinião ou os sentimentos dos aluno, tratando-os como objetos que têm que ser controlados, para que se consiga atingir um determinado fim (resultados). Isto pode levar a que os alunos se tornem dependentes dos professores, incapazes de tomar decisões ou até de treinarem sozinhos.
Que estratégias podemos adotar, de suporte à Autonomia?
Então, como podemos atuar junto dos nossos alunos, de forma a levá-los a estarem mais autonomamente motivados (Reeve, 2009)?
- dando estrutura
- dividir com os clientes, a definição dos objetivos de forma a que estes sejam simultaneamente desafiantes, mas também adaptados ao seu nível;
- dotar o cliente de todas as informações necessárias para que este possa tomar decisões mais conscientes e responsáveis, não só relativamente ao seu estilo de vida, mas também em relação aos seus programas de exercício;
- utilizar com regularidade, clareza e pertinência o feedback, quer em relação aos exercícios que vão sendo realizados, quer em relação ao evoluir das sessões e dos próprios programas de treino (explicar com clareza, evitando informações generalistas e frases feitas, como “é assim”, “faz-lhe bem” ou “assim é melhor”).
- o suporte à autonomia
- oferecer opções, encorajando a escolha (ex. para a elaboração do programa de treino semanal dar várias opções ao cliente, relativamente às aulas ou aos exercícios que pode realizar, de acordo com as suas necessidades e objetivos, ajudando-o a escolher conscientemente)
- incitar a reflexão e desenvolvimento de um conjunto de “razões pessoais” para se estar a fazer aquela atividade, e do significado pessoal que ela possa ter ( ex: “o que o poderia motivar a treinar 3 vezes por semana”; “que razões poderiam fazê-lo abandonar o programa de treino?”)
- envolvimento positivo
- preocupação não centrada nos resultados obtidos mas na pessoa e no seu bem-estar (ex: “estou preocupado com a sua segurança”; “como se tem sentido desde que alterámos o programa de treino?”).
Com estes dois artigos, pretendemos por um lado identificar algumas das estratégias a que recorremos com maior frequência, e que potencialmente podem estar relacionadas com uma menor motivação para a prática de exercício físico e consequentemente com uma menor adesão a estes programas. Por outro lado, foi nosso objetivo, à luz da Teoria da Autodeterminação, apresentar algumas soluções que com relativa facilidade podem ser integradas nos processos que diariamente desenvolvemos com os nossos alunos nos ginásios e health clubs, seja em contexto de exercício em grupo, seja em contexto de exercício individual.
Frederico Raposo
Referências
Bartholomew K, Ntoumanis N, Thøgersen-Ntoumani C. (2010). The Controlling Interpersonal Style in a Coaching Context: Development and Initial Validation of a Psychometric Scale. Journal of Sport & Exercise Psychology, 32: 193-216.
Deci, E. L., & Ryan, R. (1985). Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York: Plenum.
Deci, E.L., & Ryan, R.M. (2000). The “What” and “Why” of goal pursuits: Human needs and the self-determination of behavior. Psychological Inquiry, 11, 227–268.
Reeve, J. (2009). Why Teachers Adopt a Controlling Motivating Style Toward Students and How They Can Become More Autonomy Supportive. Educational Psychologist, 44(3), 159-175.