A Lei nº39/2012, de 28 de agosto, é seguramente a lei dos ginásios, mas constitui também legislação reguladora das actividades físicas e desportivas, qualquer que seja o local em que ocorram, com as excepções previstas no seu artigo 2º.
Pretende esta Lei, fundamentalmente, estabelecer o regime da responsabilidade técnica nas instalações desportivas. Revogou o Decreto-Lei nº 271/2009, que por seu lado havia revogado o Decreto-Lei nº385/1999. A compreensão da história da Lei é fundamental para a sua correcta interpretação e ajuda-nos a entender as motivações do Estado mas também do sector quando analisamos as alterações registadas.
A dúvida que se regista na ordem do dia é a seguinte: a quem se aplica, onde se aplica. Esta questão é relevante, atentos que estamos à oferta descoordenada de serviços de actividade física tão contestada pelos ginásios organizados, por se entender constituir manifesta distorção da concorrência. Porque serão os clubes obrigados ao cumprimento das normas desta Lei, nomeadamente quanto às exigências de Director Técnico, Regulamento interno, Manual de Operações, seguro de acidentes pessoais dos praticantes e título profissional válido, quando se vêem diariamente ofertas de aulas de zumba, pilates ou quaisquer outras que envolvam o conceito de fitness, desenvolvidas em instalações variadas, muitas não licenciadas para a prática e não obedecendo a quaisquer daquelas exigências? Acresce a falta de cumprimento de outras determinações legais, como a existência de livro de reclamações, o pagamento de direitos musicais à Sociedade Portuguesa de Autores e à Passmúsica por direitos conexos, para já não falar dos compromissos fiscais como a apresentação de facturas e o pagamento do IVA. A indignação dos gestores dos ginásios cumpridores é assim plenamente justificada, por assistirmos a estes recorrentes comportamentos que necessariamente criam situações de concorrência não saudável. Nestes casos, a actuação rápida das entidades de inspecção é assim reivindicada com toda a propriedade pelos clubes que cumprem.
A interpretação mais comum para justificar tratamento diferente nestas ofertas, muitas vezes eventuais, vai no sentido de considerar que as actividades são desenvolvidas em locais que não necessitam de ser obrigatoriamente licenciados para tal. Assim se afastaria a aplicação da Lei 39/2012, por esta definir a orientação e direcção das actividades desportivas desenvolvidas em instalações desportivas que prestam serviços na área da manutenção da condição física. Isto é, por a aula em causa ser orientada num qualquer pavilhão ou mesmo num recinto aberto, não necessitaria de respeitar as normas estabelecidas na lei. Ora esta interpretação vai absolutamente contra as determinações do objecto do diploma legal que, logo no seu artigo 1º, estabelece que a aplicação deve ser respeitada independentemente da designação adoptada quanto ao local da prática e forma de exploração.
Aliás, já o Decreto-Lei que antecedeu a presente Lei referia expressamente no seu preâmbulo que “a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto estabelece que as entidades que proporcionam actividades físicas ou desportivas, que organizam eventos ou manifestações desportivas ou que exploram instalações desportivas abertas ao público, ficam sujeitas ao definido na lei, tendo em vista a protecção da saúde e da segurança dos participantes nas mesmas, designadamente no que se refere aos níveis mínimos de formação do pessoal que enquadre estas actividades ou administre as instalações desportivas”. No mesmo preâmbulo se afirmava que a Lei que aprovou a Lei de Bases referida “prevê a necessidade de serem definidas as qualificações necessárias ao exercício das diferentes funções técnicas na área da actividade física e do desporto, estabelecendo ainda que não é permitido, nos casos especialmente previstos na lei, o exercício de profissões nas áreas da actividade física e do desporto, designadamente no âmbito da gestão desportiva, do exercício e saúde, da educação física e do treino desportivo, a título de ocupação principal ou secundária , de forma regular, sazonal ou ocasional, sem a adequada formação académica ou profissional”. E nem se diga que o Decreto-Lei cujo preâmbulo aqui se refere foi revogado e que portanto não interessam estas considerações. Foi revogado efectivamente o articulado, mas as determinações e justificações do preâmbulo permanecem válidas, pois mais não são do que a transposição das regras da Lei nº5/2007 ( que aprovou a Lei de Bases) que permanece absolutamente em vigor.
A própria Lei estabelece excepções, como dissemos. Assim sendo, resta analisar essa listagem contida no artigo 2º. No âmbito das excepções refere-se especialmente que não se aplica a Lei às actividades dirigidas por Federações, Escolas no âmbito do sistema educativo, Forças Armadas e de Segurança, no sistema prisional, termas e unidades de saúde. Refere também que não se aplica a Lei quando as actividades sejam desenvolvidas em instalações desportivas de base recreativas e sem enquadramento técnico. Também aqui, atentos à definição das instalações recreativas contida no nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº141/2009 (a exemplo do que acontecia já no nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 317/1997), não nos parece que possa colher qualquer justificação a falta de cumprimento das determinações legais específicas para a orientação de actividades físicas, e muito menos quando são desenvolvidas com cariz comercial. Com efeito, não se tratará de actividades desenvolvidas com “carácter informal” e não caberão estas actividades na listagem exemplificativa do referido nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº141/2009. Se assim fosse, restaria aos ginásios a solução de se dividirem em pequenos espaços, para não se conformarem à Lei, o que nos parece solução bizarra e não querida pela Tutela ou pelos próprios clubes organizados e respeitadores.
Concluo, assim, pela necessidade de respeito pelas normas da Lei nº39/2012 por parte dos promotores, individuais ou colectivos, de actividades físicas, para a protecção de saúde e segurança dos praticantes, e nas actividades regulares ou ocasionais, como bem é definido na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, nomeadamente nos seus artigos 35º e 43º.
Em nome da saudável concorrência!