lunes, 12 de octubre de 2015

A ESCOLA E A CRIAÇÃO DE HÁBITOS DE ATIVIDADE FÍSICA VERDADE DA MENTIRA

Tradicionalmente considera-se socialmente aceite que a Escola prepara as crianças e os jovens para a vida. Na verdade, este chavão social tem intrinsecamente uma mensagem focada nas competências adquiridas a nível de algumas disciplinas ditas como mais importantes. Aliás, o próprio sistema educativo, através das diretivas e ações emanadas pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC), coloca um enfoque diferenciado na aprendizagem do Português e da Matemática… Se relativamente ao Português todos estarão de acordo que deverá haver uma preocupação de literacia, já com a Matemática a situação não será tão pacífica. 

Porquê? Se por um lado o ensino do Português corresponde a uma de duas disciplinas escolares presente em toda a vida escolar do aluno (do 1º ao 12º ano), o mesmo não se passa com a Matemática, que apenas acompanha parte da escolaridade do aluno nos cursos de Ciências e Tecnologias, Economia e, em alguns casos, de Ciências Sociais e Humanas. Paralelamente à preocupação do Estado no desenvolvimento das competências nas duas disciplinas escolares citadas, também é verdade que tem havido um incremento no investimento na área das línguas, particularmente no Inglês. Neste contexto, se é verdade que o Português, a Matemática e o Inglês são áreas de estudo importantes para o futuro da criança e do jovem, o que dizer da História, da Geografia, da Filosofia, das Ciências, das TIC, da Formação Cívica e das… Expressões (Educação Visual e Tecnológica e… EDUCAÇÃO FÍSICA)!?

Pois, aqui é que reside o busílis da questão. Além do facto da sociedade estar aquém do desejável no que à prática do exercício diz respeito, também é verdade que há dificuldade em perceber onde está o Norte e o Sul, que o Rio Douro é capaz de não passar em Odeceixe, que o leite não vem do Continente, que o Ramalho Eanes não foi Rei de Portugal e que o 25 de abril de 1974 não foi apenas o dia seguinte ao 24º dia daquele mês/ano. Também sabemos que os princípios e os valores sociais e humanos estão em crise e que a intolerância, a violência e violação dos direitos humanos proliferam em pleno século XXI!

Mas convém lembrar que a Educação Física (EF) é a tal outra das duas disciplinas (com o Português) que acompanha toda a vida escolar do aluno (do 1º ao 12º ano). A única diferença é que a valorização e o investimento do Estado não acompanha a demagogia do seu discurso. Seria exaustivo citar aqui autores das mais diferentes áreas, sensibilidades e credos e até mesmo a Organização Mundial de Saúde (OMS), para fundamentar a importância do desenvolvimento de competências físicas e motoras no futuro de uma sociedade. Todos os dias se ouve e se lê que uma sociedade ativa é mais saudável e uma sociedade saudável reclama menos os serviços de saúde e, consequentemente, se torna mais eficiente e produtiva. O biólogo Francês Jean-Baptiste de Lamarck (1809) publicou a teoria do “Uso e Desuso” para explicar a evolução das espécies, dizendo que “órgãos utilizados constantemente tendem a se desenvolver, enquanto órgãos inutilizados podem sofrer atrofia”. Não necessitamos de ter desenvolvidas as competências em Português, Matemática e Inglês para perceber que uma máquina que não trabalha tende para um mau/deficiente funcionamento, tendo de recorrer mais frequentemente à “oficina” para reparação e/ou modificação/substituição de “peças”…

Acredito, convictamente, que os nossos governantes, provavelmente formados na lógica da fatídica tríade do Português-Matemática-Inglês, não ficaram amputados ou castrados de uma visão mais holística e universal do ser humano. Quero também acreditar que o sistema que nos governa é composto por ex-estudantes, agora academicamente formados, conscientes de que a criatividade está cada vez mais arredada da Escola, onde impera o pacote à medida e uma formatação assustadoramente preocupante. A desvalorização das áreas expressivas, onde a criatividade pode ser usada e por isso desenvolvida, tem sido apanágio da ação governativa no que à educação diz respeito.

No que se refere à Educação Física (EF) é de lamentar que há 3 anos se tenha dado o “maior ataque institucional dos últimos vinte anos a esta disciplina” (Associação de Professores de Educação Física). Em junho de 2012, o governo decidiu reduzir a carga horária da disciplina e retirar a sua valorização no cálculo da média final de acesso ao ensino superior! Mais grave: organizações com grande responsabilidade na defesa dos direitos e interesses dos alunos, como é o caso da Confederação Nacional de Associações de Pais (CONFAP) tenha considerado que "É uma medida positiva, porque vai libertar os alunos de uma pressão desnecessária"! Todos sabemos que a pressão que os alunos sofrem advém da tal tríade fatídica e de algumas disciplinas que compõem a componente específica dos vários cursos do ensino secundário e que a classificação da disciplina de EF contribui para melhorar (ou não altera) a média de acesso ao ensino superior a mais de 90% dos alunos! Estranhamente, pais, alunos e organismos desportivos pouco ou nada se têm incomodado com esta realidade. Num sistema de acesso ao ensino superior arcaico e potenciador de uma preocupante formatação educativa e formativa, onde cada décima na média classificativa determina a felicidade ou a frustração de uma carreira escolar, não compreendo que se aceite de ânimo (mais do que) leve o prejuízo proporcionado pela não inclusão da disciplina de EF no cálculo da média final de acesso ao ensino superior! Esta medida poderá potenciar a desmotivação, a falta de empenho e a indisciplina dos alunos nas aulas de EF, que se estende a outras aulas e, consequentemente, promover a falta de hábitos de atividade física (AF). Eu, e alguns de nós, sabemos que se algo não tem preço é porque não tem valor e, por isso, não estimula o vínculo e o compromisso. Por isso, se a EF não conta para a classificação final de acesso ao ensino superior, porque é que o aluno se vai empenhar e/ou motivar para o exercício?

Em pleno século XXI, temos o Estado a defender demagogicamente o Desporto e a AF, dando “uma no cravo outra na ferradura”. Por um lado adota um discurso sobre a importância da AF, por outro castra a disciplina de EF nas escolas e incrementa a carga fiscal sobre a prática desportiva! O caricato é que praticar AF orientada em ginásios e assistir a espetáculos desportivos tem como incentivo a mais elevada das taxas fiscais, equiparando a prática de exercício físico, de vital importância para o bem-estar do ser humano, ao consumo do tabaco e do álcool!

Paulo Mota
Mestre em Ciências do Desporto
Pós Graduado em Gestão e Administração Escolar
Diretor da Escola Secundária de Almeida Garrett, Vila Nova de Gaia

 
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