Abro a app do meu ginásio no iphone. Leio as notas que me dão conta de mais uma aula e um novo evento. Acabo de partilhar o meu treino de ontem, registado no meu smartphone, nas redes sociais e só tenho a próxima reunião de trabalho daqui a 2 horas. E penso: porque não aproveito e faço agora uma aula de bike? Humm, a esta hora não haverá aula de estúdio... Verifico de novo a app. Uma aula daqui a 15 minutos, “Bike V”. Aula virtual. A caminho...
Muito interessante foi verificar uma tendência agora publicitada de aplicações dos ginásios para smartphones, pois trata-se de um tema que em Portugal a AGAP já tinha equacionado e iniciado tratamento, para posterior informação e benefício dos ginásios associados.
As aulas virtuais consistem, no entanto, no tema mais discutido nos corredores, e não é uniforme a opinião sobre esta novidade do mercado. Desde o técnico de exercício mais fundamentalista na defesa do acompanhamento personalizado até ao gestor mais firme na defesa da contenção de custos, há de tudo um pouco nas opiniões que vou ouvindo sobre o tema. Sendo assim, a posição adoptada neste artigo é meramente pessoal, sendo também muito própria a análise desta temática na perspectiva legal.
Todos estamos habituados a entrar nos clubes e respirar o ambiente de alegria e movimento das aulas de estúdio. Sempre? Não! Só nas horas mais movimentadas, normalmente ao fim do dia, quando os ginásios registam maior afluência de praticantes. Também é conhecida a fidelização dos clientes das aulas de estúdio, maior do que acontece na frequência das salas de máquinas, o que se compreende pelo espírito de grupo e de proximidade ao professor. Será que esta realidade se sentirá nas actividades dos estúdios se o técnico de exercício não estiver presente?
Por outro lado é conhecida a aversão de muitos clientes que têm receio de não saberem acompanhar as aulas (nomeadamente nos movimentos sincronizados e no ritmo) e assim fazerem “fraca figura”... Será que estas aulas virtuais, projectadas, não resolverão também este dilema, ao preparar os praticantes que, de forma mais ou menos solitária, vão aprendendo os movimentos, transitando depois para as aulas com assistência do professor?
Foi muito clara nas várias sessões que abordaram este tema a ideia de que as aulas virtuais devem servir para complementar a oferta nos clubes, e nunca para substituirem os técnicos de exercício. Pode tratar-se de uma tentação dos ginásios que pretendem reduzir custos com o pessoal, mas é unânime nas várias intervenções a ideia de que seria um erro enveredar por tal escolha radical, mesmo nos casos de ginásios low-cost. Compreende-se esta opinião, pois nunca é demais reafirmar que somos uma indústria de emoções, onde o factor humano e de relacionamento é fundamental. Claro que, a acrescer, o nosso sector sempre defendeu o exercício físico acompanhado, pelo que o radicalismo seria contranatura, decerto mesmo para quem analisa numa perspectiva mais economicista.
Quer isto dizer que nos devemos situar numa posição contrária à aceitação destas aulas virtuais? Creio que não! Então que solução entendo aceitável e oportuna?
Em meu entender devemos manter as aulas de estúdio tradicionais nos horários em que habitualmente elas são já propostas. Por outro lado, aceito que, nas horas em que os estúdios estejam livres, sejam propostas estas aulas virtuais como meio de aumento de oferta e também de rentabilização dos espaços. Existe igualmente uma terceira via, ainda menos divulgada mas já existente, que consiste na projecção de aulas mas com acompanhamento do professor, que assim melhor pode corrigir os movimentos dos praticantes. Esta situação é de flagrante interesse nas aulas de bike e, sem bem que não exista diminuição de custos, existirá sem dúvida um melhor acompanhamento dos utentes.
E na perspectiva legal?
É certo que esta abordagem não foi sequer ventilada no Congresso, dado que a legislação europeia não é em geral tão severa e restritiva como a legislação portuguesa. Contudo, no nosso País devemos assumir algumas cautelas, pois, nos termos da Lei 39/2012 (a exemplo dos Decretos-Lei anteriores entretanto revogados), existe um Director Técnico (DT) que coordena e supervisiona a avaliação da qualidade dos serviços prestados e superintende as actividades. Estas atribuições naturalmente lhe conferem deveres e obrigações, pelo que poderá ser responsabilizado pelas situações de negligência ou falta de segurança. Na realidade, o DT assume a responsabilidade pelas actividades desportivas existentes na instalação, nos termos do artigo 5º dessa Lei e, segundo o artigo 6º, deve coordenar a produção das actividades desportivas. Nos termos do artigo 8º, deve (em conjunto com os técnicos de exercício) actuar diligentemente assegurando o desenvolvimento da actividade desportiva num ambiente de qualidade, segurança e defesa da saúde.
Resumindo, o DT deve analisar as condições de proposta de novas actividades, nomeadamente destas aulas virtuais, aferindo da sua qualidade a nível técnico, zelando pela segurança da prática e com respeito pela saúde dos praticantes.
Quer isto dizer que devemos tomar uma posição contrária à oferta deste tipo de aulas? Penso realmente que não! Poderemos em meu entender propor estas actividades, tal como são propostas muitas vezes sem acompanhamento profissional directo na sala de musculação e cardio. É conhecida a realidade da recusa de acompanhamento por muitos utentes que reafirmam os seus conhecimentos das condições de treino, e não é possível oferecer em termos económicos e práticos um personal trainer a todos os praticantes, que vão desenvolvendo os seus treinos com diferentes níveis de supervisão. Sem dúvida que a prescrição do exercício é fundamental para um bom treino, mas é ilusório falar num acompanhamento constante durante a prática.
Também não será demais referir que o seguro de acidentes obrigatório nos termos da Lei aqui referida (artigo 17º) pode aferir das condições da prática e do zelo na proposta das actividades como condição de aceitação dos acidentes ocorridos.
Assim sendo, aconselho a que seja dada uma atenção especial nos casos de frequência destas aulas virtuais, nomeadamente com algumas cautelas. Em primeiro lugar, avaliação da condição física antes de iniciarem as actividades (com referência pelo técnico avaliador aos especiais cuidados na prática). Depois, e sempre que possível, que as próprias aulas projectadas contenham recomendações específicas. Ideal seria também a presença com alguma assiduidade de um professor que, a exemplo do que se passa nas salas de máquinas, fosse corrigindo os exercícios e explicando os movimentos. Por outro lado, não seria demais prever no contrato de adesão uma especial referência às cautelas especiais nesta prática não sujeita a acompanhamento permanente.
Também não devemos esquecer que o Regulamento Interno deve conter as normas de utilização e segurança, pelo que deverão aí ser incluídas as condições especiais da frequência destas aulas, e que os procedimentos e protocolos bem como a utilização de equipamentos observados pelos profissionais e pelos utentes devem constar do Manual de Operações (artigo 21º da Lei). Constituindo uma obrigação dos ginásios, estes dois documentos obrigatórios podem, neste caso, fornecer informação específica, limitando assim a responsabilidade da instalação desportiva.
Não esqueçamos que estas ofertas têm custos agregados. Oferecer uma qualquer projecção num pequeno plasma decerto não registaria adesões... Uma tela de tamanho grande e um sistema de som de boa qualidade são imperativos, bem como a qualidade técnica da aula projectada, que naturalmente tem também um custo agregado. Nestes termos, acredito que poderemos realmente fomentar uma maior participação desportiva e melhor utilização dos nossos espaços.
José Júlio Vale Castro